quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Não


- Não? E por que não?
- Não sei. Apenas sei que não!
- É só isso que tens para dizer?
- Que mais queres que diga?
Eram assim as palavras estéreis e desprovidas de qualquer
interesse ou motivação que davam vida às discussões que
se repetiam num incessante e infindável carrossel. Eram áridas
e desconectas. Ausentes de lógica. O tempo toldava-
-lhes a razão, prendia-lhes o raciocínio e uma emoção sem
sentido tomava as rédeas, transformando-se em definitivo
na protagonista.
Houve um passado, ainda recente, em que tudo era diferente.
As expressões tinham melodia e os pormenores irritantes
da rotina eram relegados para um mundo de profunda
indiferença.
Nada mudara de forma suficientemente óbvia. Nem nos
mais pequenos detalhes se denotavam alterações dignas
de qualquer significado. No entanto, a empatia morrera,
não havia cumplicidade, e, em momentos limite, o simples
som da voz dele causava-lhe náuseas. Havia uma revolta
dentro dela tão estranha quanto incompreensível. Talvez
tenha sonhado um homem único, perfeito, irreal, impossível
de existir. Porventura criara a ilusão de uma falsa personalidade.
Ela apenas servira os seus propósitos.
Nunca o saberemos. Nunca saberemos se algum deles
soube. A relação durou mais vinte anos. Sempre monótona
e ausente de qualquer interesse arrastou-se até ao limiar da
resistência humana.
Perderam-se numa noite de Inverno por entre a frieza de
uma ausência há muito anunciada. Peitos sem vontade
nem batida. Dedos entrelaçados por um sentir longínquo
que andou disfarçado (quase) uma vida inteira.

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