domingo, 16 de agosto de 2009

A força das palavras

As palavras são uma dádiva dos céus. Um milagre que como todos os milagres se perdem em explicações que nunca o serão. Desnudar a alma e mostrar o sangue vermelho forte que nos corre nas veias, obriga a acordar a coragem que vive dentro de nós, alimenta o melhor que o Homem possui. As palavras, quanto sentidas e correctamente expressas, têm movimento. Vomitam expressões capazes de tocar no fundo de um sentir que nem sempre quer mostrar o seu olhar. Todos os dias agradeço às palavras a forma como me purgam, tornado mais leve o meu existir, num esforço diário de criar azimutes capaz de me mostrar o caminho!

Carta a meu pai

És o farol da minha razão. Sempre o foste. Mostras-me, sem o saberes, a indelével fronteira entre a realidade e a loucura que abraço como forma de sentir e ser.
Bem formado, distraído e compreensivo, tens a alma de um cavaleiro de cariz quixotesco, apesar de nem a ti o admitires. Cresci a olhar-te com profundo orgulho e a querer tomar como meus os teus princípios.
Nunca fomos de grandes conversas. No entanto na tua força ainda hoje me sinto resguardado. Não adjectivas a vida, nem tão pouco a culpas de nada. És pragmático, curiosamente, de uma forma poética que parece não condizer contigo. Mas está-te na essência, por mais que o negues para ti.
Muitos acreditam conhecer-te. Poucos te conhecem. Para te conhecer foi-me necessário ler-te aos poucos, beber-te os pequenos detalhes, ouvir-te nos momentos de silêncio em que te sentes só. Foi preciso sentir-te, subtilmente, segundo após segundo, ano após ano. Afinal, compreender um homem cuja grandeza é muito maior do que ele próprio crê é uma tarefa hercúlea.
Nas qualidades que em mim reconheço leio o reflexo do seu rosto, das inúmeras falhas marcadas na personalidade que me cobre não encontro sombra da sua imagem. Fizeste o que podias e sabias para eu ser de outra cepa, mas as árvores nem sempre têm a qualidade das suas sementes, o seu formato e consistência depende em muito das chuvas e dos ventos que as brindaram enquanto cresciam. Muito mais gostaria de te dizer, infelizmente ou talvez não, há sentimentos que nunca foram baptizados pelo reino das palavras.
Não fiques triste, a vida pode vestir várias indumentárias, no entanto, despida é sempre igual. Começa com um grito e acaba com um esgar. E no espaço que me separa desses dois momentos, transporto sempre comigo o profundo amor que te tenho e um ímpar sentimento de gratidão por ser teu filho.

Razões

Não é de palavras que preciso,
nem de actos perdidos
por entre sarjetas do passado.
É de razões que tenho sede,
desenhadas nos sinais do caminho,
pistas à espera de serem descobertas
na invisibilidade da sombra
e na grandeza do seu sentido.

Sinto-me apanágio do nada,
soluço silencioso e esquecido.
Acreditar é tudo o que me resta,
ténue pavio em fim de vida,
num murmúrio pressentido
entre as palavras e os actos,
sem esquiva das razões procuradas.

Suicídio

Suicídio,
partir de vontade própria,
a serenidade da morte que nos fugiu da vida.

É raro o dia em que não me suicido
na sensibilidade dos meus ideais.
Quantas vezes estou de luto de mim,
velando a minha tola existência
na tristeza que doaram ao negro.

Cumpro o ritual entre o olhar e a roupa,
perdido no medo da morte me levar
e na paz de espírito de me entregar a ela.
A impossível necessidade de controlar o todo
espelha-se na dualidade que nos habita.

Pouco importa,
Hoje, amanhã,
daqui a muitos anos.
Partirei com toda a certeza,
Levado, levando-me.
Pouco importa, nem a mim farei falta.

Dores

Queria chegar mais longe,
Andar até mais não poder
Perder-me como um monge,
Por entre as entranhas do ser.

Verdade coberta de pó,
Gratidão ferida de morte,
Justiça caminhando só,
Amizade largada à sorte.

Na lucidez da dor a nascer
Percebo quão subtil é viver

Nada de nada

Sons. Sons quentes. Sons quase inaudíveis, perdidos na envolvente expressão de uma felicidade infantil. Momentos de um império de outros reis, onde a seda e o linho eram a marca que os distinguia das estátuas de mármore escondidas por entre o verde dos extensos jardins.
Histórias ouvidas ao serão, depois do repasto. Lareira apagada, recordada de tempos ainda mais idos, mais mágicos. Velas. Chama e calor. Murais de cristal e fé. Joelhos massacrados de vontade. Murmúrios de preces esquecidas, arrumadas por entre o amarelado das páginas fechadas.
Sons. Barulhos musicais. Vêm de longe em peregrinação, param e seguem. Na calçada ecoam com a força da simplicidade a que a felicidade obriga. A lareira então estava acesa e as labaredas de luz entravam alma adentro, enchiam o espaço que o tempo ocupou de escuridão. Sons. Quais sons afinal?

Intimidades

As rugas pareciam caminhos de um mapa de outrora, desenhavam destinos. Rios já secos. Antigos. Experiências incontáveis, recheadas de passado desaguavam em pequenos lagos de águas paradas por sensações profundamente vividas. Tempo de antes ainda presente. Momentos gastos em sorrisos, guardados numa gaveta melancólica, a terceira a contar de cima, a dos segredos revisitados, numa partilha quase romântica com os postais de uma existência completa, inteira, amarelados e marcados pelas traças.
Carregados de vida vivida, os dedos, dela e dele entrelaçavam-se pelos salientes nós da experiência, moviam-se com a subtileza de um amor que nunca havia de partir, num afago de indelével ternura. Pássaros de asas cansadas carregam no voar o orgulho de muitas travessias. As duas margens de um rio. Imagens simples de cores comuns. Relatos soltos de um todo vivido até ao tutano.
Depois da vida não há margens, é tudo água do rio.

Sem sono

Temos andado desencontrados. Deito-me e não te encontro, já não me tomas nos teus braços com tão bem sabias e fazias. As ideias evadem-me o raciocínio enquanto aguardo a tua chegada. Enervo-me pela espera que tarda. Estou cansado mas pareces não ligar e arremessas-me com a indiferença marcada pela tua ausência.
Há subtis instantes, perdidos por entre os momentos, em que me deixo ir na sedutora fantasia do tempo sem brisa nem movimento, que alimentam um fim trágico de grandioso desespero. À noite tudo é e parece ser mais sombrio, até o silêncio fere por emanar tanta quietude. Ouço o meu pensamento com uma nitidez alarmante, razões atrás de razões num alvoroço sem igual, mas no fundo, bem fundo, junto á baía do meu sentir as águas respeitam as margens sem alterarem a suavidade do seu curso. Tudo parece normal se acreditarmos que a normalidade existe.
Sou um homem só. Tornei-me assim e temo partir deste modo, agarrado ao vazio que criei na minha ambígua forma de aceitar o inevitável. Não culpo nada nem ninguém. Os passos foram meus, dei-os todos de livre arbítrio intacto e retorno da causa/efeito é em absoluto da minha responsabilidade.
Gostava de ainda ter tempo, apagar e reescrever-me de novo. Quem sabe, aprender a perdoar-me, afinal tenho sempre perdoado a quem, de alguma forma, violou as emoções que dão alma ao corpo com que percorro o caminho.
Sinto-te agora mais perto de mim. Terás sentido a falta de partilhar a mesma almofada ou simplesmente vontade de me sentires embalado em ti. Pouco importa. Abraça-me, deixa-me repousar em ti como dantes, quando dormia a sorrir sem o saber e acordava a sorrir sem tu o saberes.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Vazio

Partiu,
Levou o amor que não lhe dei,
As promessas que não cumpri.
As fantasias que não sonhei,
A vida que não vivi. Partiu,
E apesar de levar tão pouco,
Deixou-me vazio,
Tal como sou.

Infância

Quando penso no mar, recordo de imediato o meu metro e meio de gente, que cheio de uma vontade, com sabor de vida, se encontrava preso num olhar perdido de constante procura. A inquietude de um mundo ainda sonhado reflectia-se no sorriso de complacente alegria da minha avó. Ao longe os sons confundiam-se, a areia não tinha textura e o mar... era apenas e só o mar. O tempo passou, o meu pai já não é Deus, nem a minha mãe imortal. As ilusões perderam-se, ou melhor, transformaram-se em realidades que me assustam como sombras de corpos que não se vêem. As lágrimas, trato-as por tu, mas no entanto nunca as deixo sair e secar nas montanhas do meu rosto de expressão triste. Pelo caminho ceguei o sentir, que guardo no peito, para se quedar perfeito na espera de razões mais válidas que o deixem ver e olhar. Sinto-me só. Sinto falta de mim.

Sou angústia

Mãe! Olha os caminhos que percorro Mãe! Olha as palavras que me magoam Mãe! Olha os rios que me sufocam Mãe! Olha as lágrimas que me acompanham Mãe! Olha a verdade que não encontro Mãe! Olha a vontade que me abandona Mãe! Olha o silêncio que me cega Mãe! Olha os erros que me rodeiam Mãe! Olha os poetas que me perseguem Mãe! Olhas as recordações que me preenchem Mãe! Olha as frases que não disseste Mãe! Olha para mim! Mãe! Sou angústia!

Lição

Com amor
Queimei o rosto,
De lágrimas quentes de dor.
Com amor
Sulquei a alma
Traguei a desilusão.
Com amor,
E só com amor,
Sofri e deixei de crer,
No amor da multidão.

Entrega

O quarto era minúsculo,
O espaço dentro de nós imenso.
A cama quase à porta.
Pouco importava.
Para os nossos corpos não havia desculpas.
Tocavam-se com o olhar,
Despiam-se em laivos de brilho.
Desejo. Muito desejo de ter e de dar...
Quando as mãos se tocaram,
Rasgaram-se em carícias,
Passearam argutas pelos corpos.
Pequenos toques, sensações imensas.
Bocas que mordiscam o sentir
Pernas entrelaçadas pela cintura...

O quarto era minúsculo,
O espaço dentro de nós imenso.

Rita, minha filha

O olhar doce de cor azul, trespassa-me a alma. O sorriso límpido e feliz, afaga-me a vida. Tudo nela cria emoções em mim. Naquilo que sou. No muito que ainda quero ser. A forma como corre, leva a que me perca no espaço e pare no tempo, embevecido pelo amor que lhe tenho, e temo, por vezes, não saber demonstrar. Os movimentos do seu corpo são de uma harmonia que emana alegria e vontade de ser, ser cada vez mais e mais, até termos sido tudo o que podíamos e ainda mais um pouco... As palavras que solta, com uma naturalidade arrebatadora, têm a essência de um mundo diferente, mais calmo, mais em paz consigo mesmo. As dúvidas que atravessam o seu espírito são coerentes e carregadas de sentido. A sua voz de criança verbaliza lógicas de assustadora maturidade, descobre mundos para mim há muito esquecidos. Os seus receios são do mundo dos adultos, as suas certezas do mundo colorido das crianças. Os conceitos que a habitam têm uma profundidade que dificilmente um crescido alcança, é preciso estar atento, beber as suas palavras, afagar as suas expressões. Quando adormece, encostada a mim, o seu rosto mantém-se aberto para o mundo, dele extravasa uma paz tão grande que nos obriga acreditar nos anjos. A senti-los presentes. Como cresceram os seus pés... Magros e perfeitos! Como está grande o seu corpo... Esguio e belo. Agarro-lhe nas mãos esbeltas e compridas, e beijo-as subtilmente. Ao seu lado embalo numa calma sem descrição. Há amores que rasgam as palavras, deixando-as vazias, tal é a força do sentimento que impõem. Ter e amar um filho é o luxo supremo. É a essência da própria vida. Um perpetuar eterno... Muito para além da partida!

Saídas nocturnas

Todos as noites, antes do nascer do sol, saio à procura de razões. Vestido de vontades que não posso desvendar, percorro passos sem fim. Em cada esquina que dobro, encontro lágrimas e sorrisos. Em cada pensamento que entro, cruzo-me com desilusões e esperanças. As minhas pegadas multiplicam-se, desdobram-se, perdem-se entre esgares e expressões de tristeza, olhares perdidos, feridos pela dor, rasgados pela desilusão. As voltas que dou não surtem resultados, as razões continuam desaparecidas. No entanto, todas as noites, antes do nascer do sol, parto na minha procura. Nem preciso de sair de onde estou, procuro no mundo submerso no meu interior. Afinal, a razão sou eu, nasce e morre dentro de mim, a velocidade do que vou deixando de ser... para passar a ser outro igual... mas de sensações e estímulos diferentes... mais adulto, mais maduro. Todas as noites, antes de o sol nascer, encontro-me, renovo-me, cresço dentro daquilo que já sou. Quanto às razões... nascem e morrem a velocidade que eu e a vida deixamos!

Passado

Hoje perdi palavras,
Fugiram-me para longe,
E eram as mais necessárias...
Quando voltarem,
Amarro-as ao meu sentir,
Para o poder gritar por inteiro.
Sou escravo das palavras,
Não das que escrevo,
Mas daquelas que fogem,
Para perto dos momentos que já foram!

Cruzamento

Palavras soltas na procura de frases para as aquecerem. Medos perdidos da sua razão, querem ser o que não são. Espaços abertos nas rachas das paredes esquecidas. Olhares iguais aos demais. Vigor de um tempo de esperança. Cansaço de um tempo de espera. Quando se cruzavam naquela avenida, não se olhavam. Era a primeira vez que passavam um pelo o outro. Outros dias repetiram esse passar de olhar que não vê. Um dia passaram, olharam e viram. Depois, muito tempo depois, passaram, olharam e falaram. E nunca mais deixaram de ver, olhar e falar. Podia ter sido comigo. Podia ter sido contigo. Podia ter sido connosco. Mas não foi e pouco importa. Todos os dias, muitas pessoas se cruzam e não olham. Talvez nunca venham a olhar. Se olharem, vêem e se quiserem falar, falam. É importante ver e falar. Palavras abandonadas em busca de frases esquecidas. Vidas repetidas, vividas para além de outras vidas. Sorrisos escondidos pela vergonha de um olhar. Razões para ser. Razões para deixar de ser. Passos perdidos e nunca encontrados. Eu um dia se passar por ti vou olhar. E se olhar vou ver. E se vir vou falar. Mas se me esquecer, peço-te que me recordes. Afinal as frases têm que ter palavras para dizer.

Regresso

Entrei por aquela porta! Foi a repetição de um acto, que o tempo conhece de cor. No entanto, foi um outro entrar. A nudez do espaço... despiu-me, o silêncio surdo... ecoou em mim. Voltei ciente de vou ter que ficar. Quero ficar. É o único caminho com sentido. Não posso, nem devo, fugir da férrea lógica que a vida impõe. No silêncio do vazio, recordei gargalhadas que em tempos pintaram as paredes brancas que agora me olhavam insistentemente. Já não são brancas... viraram cinzentas. Não senti tristeza, senti lágrimas apenas. Filhas, órfãs de momentos que já me fizeram sorrir. Sai, e quando fechei a porta, tinha no bolso a certeza que ainda valia a pena. Enquanto eu acreditar... vale sempre a pena... entrar por aquela porta. Afinal, a nudez veste-se com o tempo... e o silêncio é o que nós fazemos dele...

Troca

Caminho,
Por entre pedras perdidas,
De ruas por encontrar,
Trago num bolso a angústia,
No outro guardo o luar.
Cada passo que dou, ecoa,
Com o cintilar das estrelas,
Que bom é andar à toa,
Olhar o céu e poder vê-las.
Meto uma mão no bolso,
E penso que tiro o luar,
Engano-me...
O luar mantenho-o no bolso,
No céu a angústia a brilhar

Erro Fatal

As palavras saíram-me boca fora, nem tive tempo para perceber que eram minhas. Foram erradas... causaram danos. Quando a consciência me tomou, ainda tentei... mas de nada serviu, até eu estava demasiado magoado com o que dissera. Há momentos... circunstâncias... que nunca deviam existir, são contra-natura. Rasgam a sensibilidade, ferem o todo, deixam marcas desnecessárias... Perdoaste-me, no entanto, eu não sei se arranjarei espaço para me perdoar... Dói-me para além do imaginável, traçou-me de lado a lado... e a expressão que pairou no teu olhar persegue-me... a tua dor sinto-a ainda. A palavra é uma arma devastadora... mas verdadeiramente brutal... é magoar alguém que é um prolongamento do que somos!

Retorno

Encontrei em ti... Tudo. Senti-me perdido no meio do representavas. E perdi por não reparar nos sinais. Fui toldado pela paixão, arrebatado pelo desejo, abafado pelo o amor. Dentro vive um vazio que nasceu era ainda miúdo, desvaneceu-se enquanto estiveste comigo, depois regressou com força redobrada. Estonteante, arrepiante... Agora voltaste... O sorriso, o olhar... tudo igual. Voltei a sentir tudo o que nunca deixara de sentir. No entanto, não consigo ser igual. Estou a prazo... perdido no receio do passado recente, sem expectativas... para matar a desilusão que receio parir. Um dia de cada vez... sonhos adormecidos para não se assustarem, planos escondidos para nunca falharem. Um dia de cada vez... Estou longe da Terra do Nunca... Perdido no meu coração de Peter Pan.

Um dia

Onde estão? Onde param as lágrimas que me acompanhavam nos momentos de dor? Que me acarinhavam em suaves toques molhados. Esconderam-se por detrás da vergonha que lhes impuseste. Sentiram-se pequenas... indignas de ser. Fizeste delas cobardes, retraídas... Sem vontade, isentas de espontaneidade. Sem elas perdi a força da minha fragilidade... Agora sou apenas a ilusão de macho que tanto acreditas prezar, respeitar... e procurar. Com o tempo, aprenderás comigo o quanto estás errada. A lágrima é dos fortes... daqueles que não se escondem... que não precisam de venda no momento da execução. Quem dá guarida à lágrima, tem a grandeza de saber muito para além de, aceita a dor com a nobreza que esta implica... acredita e orgulha-se em ser quem é, sem nada ter de mascarar. A bandeira do corajoso está suada de lágrimas. Um dia, vais perceber, vou ensinar-te! E se de tal não for capaz... parto sozinho.... Sozinho não... com as lágrimas a lavarem-me o rosto... pelo pouco que consegues compreender.

Será?

O vazio hoje esteve mais presente. Senti de forma mais brutal a impotência que o pouco que sou impõe. Talvez por ter pensado mais do que o habitual, eu que já penso tanto, as verdades tenham dado um ar da sua graça, passeando o seu perfume em redor do meu sentir. Nasci perdido, e mantive-me por esse caminho sem ter percebido, agora procuro saídas onde nem sei se existem. Cresci tanto que não consigo caber em mim, como uma trepadeira atrevida que ganha terreno por todo o lado. Extravaso-me no vazio que me acompanha, sem no entanto conseguir preenche-lo, apenas o enfeito. Serei triste? Não creio, sou apenas pouco para aquilo que gostaria de ser. Brinquei muito para além dos actos. Magoei e magoei-me, sem maldade, apenas por desconhecimento do que somos verdadeiramente feitos. Vontades perdidas por entre as imagens que criamos de algo inexistente, não na forma mas no conteúdo. A simplicidade tem a magia de tornar tudo fácil, o problema é que ser simples é muito complicado, se assim não fosse tudo se abria com um olhar mais arguto, o sorriso mais atrevido desvendava o mais escondido segredo. Problemas existenciais, podem pensar. Nada disso, muito para além disso. Os problemas dessa estirpe implicam existir ou pôr em causa a razão e a emoção da existência! E quando não existimos, ficamos sem nome nem morada.

Sem nome

Já alguma vez dormiram entre palavras por dizer? É brutal. Elas esperneiam, contorcem-se de desespero, gritam no silêncio que lhes foi imposto. Sentem dores impossíveis de relatar. Abraçam-se umas às outras em perfeito desespero. Já alguma vez dormiram entre actos por praticar? É profundamente desagradável. Não há qualquer movimento. Nada mexe um milímetro que seja. Desgastados enroscam-se uns nos outros formando montes disformes. Contraem-se na magoa que os devora lenta e drasticamente. Palavras e actos sem poder, rasgam a essência do ser no mais íntimo das suas entranhas. Tornam a alma prisioneira de si própria. Aprisionam a consciência de forma perigosa. Tornam a nossa existência numa repetição insana de momentos drásticos. Soltem as palavras. Deixem-nas voar com a dignidade que lhes pertence. Avancem com os actos. Devolvam-lhes a energia perdida pelo caminho

Palavra

Não há drama maior,
Que a exaustação que a palavra pode provocar.
Não há maior tristeza,
Que a palavra perdida na inconsequência do acto.
Não há silencio mais longo,
Que o criado pela palavra que jamais será dita.

As palavras,
Vivem da força da alma,
Da magia do intelecto
E da grandeza do coração.

Adeus

I - Sentia por si um imenso pesar. Uma pena intransponível. Tão altos ideais. Tantos planos que morreram na praia, Tantas ilusões na poeira da sua memória. O desespero toldava-lhe a esperança. As lágrimas dançam-lhe nos olhos. E o sorriso, que em tempo tivera como companheiro, perdera-se por entre dois fracassos.

II - O sangue escorria parede abaixo, desenhando pequenas figuras de formas imperceptíveis. A atmosfera tornava-se sufocante. O vermelho vivo da tinta humana aquecia o quarto. No soalho, numa pose quase acrobática, um corpo crispado de desilusão e uma caçadeira enferrujada, arrefeciam em conjunto

Sentires

Os sentimentos Desdobram-se, Tropeçam, amarram-se uns aos outros Tudo é diferente Do esperado. Do Querido. Do sonhado. Caminho perdido, Promessas esquecidas. Hoje amo-te. Amanhã não. Hoje quero-te. Amanhã não posso. Hoje carrego comigo a vontade, Amanhã deixo-a aquecer a almofada. Quero ser mais do que sou Mas menos do aquilo que quero Somos todos iguais, Mas mais iguais que em qualquer outro momento/sensação Somo-lo na morte. É nossa, mais dos outros. Cada morte, Cada morte no aflorar de um só, E todos nós morremos, Um pouco, um muito, um qualquer coisa

Triste

Estou triste, muito triste

Fugiu-me há muito a alegria.
Perdi o orgulho, perdi o respeito.
Ah, meu Deus como eu queria
Abrir para vós o meu peito.
Sinto-me desfazer aos poucos,
Na tristeza que me aperta.
Este sofrimento é dos loucos,
E da loucura que os cerca.

Estou triste, muito triste.

Infâmia

Depois da lágrima chorada,
Em desespero de vulgaridade.
Humilhado foi o puro sentimento,
Em angústia pelos tristes inventada.
Coragem perdida,
Nas delicadas mãos do pretenso sentir,
Crucificada nos lampejos do burguês
Que chora, ri e até diz que sente.

Crescer

Crescer na dor é inevitável... É uma dança de sensações que se perdem... Para poder voltar a encontrar. Chorar sem lágrimas... Tem a dureza da solidão, O sentir que me seca a alma. O amor em sentido único... Alimenta-se de restos... Mas nem por isso pára de crescer. Até ao dia em que... Numa dor sem lágrimas, A solidão o carrega para a morte.

Pois

Quantas vezes
Somos pedras perdidas,
Em caminhos por encontrar.

Simplicidade

A simplicidade sempre me deslumbrou. Tem uma frescura que me acaricia a face. É apaixonante por parecer tão simples. Subtil como a brisa de um dia outonal. Importante pela forma como entra em nós sem nos apercebermos, enroscando-se a um canto, o canto mais distante, aquele que só reparamos depois de estar preenchido. Está em todo o sítio. No beijo apaixonado dado à chuva, no chocolate quente ao final da tarde, no olhar profundo que perdido no horizonte revela o sonho, no suave tocar de duas mãos que mal se conhecem. A simplicidade está intrinsecamente ligada ao pormenor. Tem a essência e a magia deste, está presente sempre nele como uma segunda pele. Operam milagres em conjunto e são fundamentais na marca da diferença. É um segredo guardo no meio de uma praça, uma eloquente verdade escondida no meio de tudo. Afinal, basta olhar para ver, o que pode parecer simples, e não é!

Abençoadas

Há palavras que guardo em mim, no âmago do meu ser. São sagradas, e por isso intocáveis. Têm a magia do segredo que nem eu conheço. No entanto, pontualmente, há uma que foge. Corre na procura de um destino há muito sonhado. Quando o encontra, envolve-o numa pequena nuvem de harmonia, onde brincam doces gotículas de vontade de ser. São estas palavras que marcam a diferença entre o que sonhamos e a realidade do alcançado. Abençoadas sejam

Á noite

À noite as palavras saem da toca. E em delírio, procuram-me. Gritam-me aos ouvidos, como se precisassem de mim. Querem, exigem mesmo, que lhes dê uso, que crie com elas um sentido que desconheço. Tento perceber o que se passa, e nesse processo vou fazendo nascer frases onde as palavras dançam livremente, ao ritmo do instinto que lhes doei. Têm a lógica por mim imposta, mas não deixam de ser senhoras dos seus sons, dotadas de informação que me ultrapassa, afinal sou apenas um mero instrumento, um simples utensílio que serve os seus intuitos. Nas suas regras perco-me nas frases que compõem. As mensagens que me sussurram, ao princípio, parecem incompreensíveis, mas aos poucos vou desvendando, frase após frase, o sentido que as move. É fácil, querem apenas mostrar ao mundo, que sem palavras os actos vivem despidos de essência e caminham sozinhos por ruelas desconhecidas. Afinal, a palavra está para o acto como o pensamento está para este, um sem o outro não fazem sentido, perdem-se num silêncio parado. Eu sou do tamanho do meu sentir, mas sem palavras e actos quedo-me vazio!

No escuro

Tenho palavras comigo que nunca viram a luz do dia. São palavras nocturnas. Por costume e tradição, acordam assim que o sol se põe. Nem uma réstia de luz lhes toca, mas brilham no seu contexto. Comovem a noite e o silêncio e tudo o que deles faz parte. Arrasam tudo o que as quer prender, atravessando-se no caminho. São palavras que se enroscam em mim, embalam-me nos seus sons imperceptíveis e na fantasia que oferecem elevam-me no doce turbilhão do sentimento, extravasando muito para além do homem que pareço ser, directas à percepção que vive entranhada no meu carácter, no espectro da minha essência, a parte mais profunda do meu ser. São estas palavras, assim quase pueris que me revelam, e dando a correcta imagem do meu sentir. Palavras da noite, mas repletas de uma luminosidade que tudo acorda, tudo transforma. Divina e sublime representação, de uma beleza interior perdida nos ruídos perturbadores do superficial. São o esplendor da vida.

Sonhos

Olhares suspensos no ar,
Expressões que fazem sonhar.
Sorrisos por encontrar.
Palavras já desenhadas.
Bocas sempre coladas.
Mãos entrelaçadas.
Silêncios com moradas.
Toques que esgrimem razões.
Verdade sem ilusões.
Lógica em contradições.
Histórias de fim fantástico.
Sentimentos de plástico.

No recanto onde me escondo nunca me vou encontrar.

Invioláveis

Que tentaram fazer às palavras? Foram vítimas das infames agruras dos cruéis manipuladores de sonhos, poetas de letra envenenada, almas sem chama nem dignidade. Numa mescla de enganos e promessas, foram roubadas na forma e violadas no conteúdo, tocadas na essência e estripadas na magia. Só há uma forma de reconhecer a veracidade da palavra! É na simplicidade do seu toque. Na pureza do instinto que delas advém. Na cor que nelas se reflecte. Quem conhece as palavras, reconhece sempre o veredicto do acto que as prolonga. Distinguias muito para além das contrafacções que os especuladores de falsas premissas tentam impor. A palavra é a expressão suprema que nunca deixa o acto perder a razão do seu norte, Sem ela, o verdadeiro sentir fica mais pobre e sem a real promessa de futuro. As verdadeiras palavras, felizmente, serão sempre invulneráveis.

Gosto

Gosto do som da chuva a bater nas janelas e do sol a reflectir nas paredes Gosto das palavras ditas em surdina e das expressões do silêncio Gosto dos sorrisos que se cruzam e das lágrimas que se afagam Gosto do toque subtil da pele e do agarre forte de duas mãos Gosto de ler na varanda e de me enroscar no sofá Gosto de ser como sou e de acreditar que posso ser melhor Gosto ver saias com saltos altos e calças de ganga rotas com ténis Gosto ver de lingerie preta e da pele a tocar o tecido Gosto de dois corpos que se perdem para se encontrarem num só Gosto de sexo com ternura, mas prefiro-o com paixão Gosto dos beijos doces e dos que se prolongam para mais além Gosto da rotina borrifada de surpresas e dias diferentes Gosto da verdade acima de tudo e não aceito jogos baixos Gosto da sensualidade e da novidade que envolve Gosto de pensar com música e meditar em silêncio Gosto do luxo que acredito que o conforto traz Gosto da palavra pensada e de imaginar o pensamento Gosto de olhar fundo nos olhos sem desviar o olhar Gosto de mim, do que tenho para dar e que mereço receber Gosto da beleza da alma, mas não desdenho a do corpo Gosto de sair sem destino e de voltar com recordações Gosto de parar o tempo e quedar-me no deleite Gosto de paixão ardente e de juras que não sei se se cumprem

Pormenores

Os pormenores sempre me deslumbraram. Procuro-os por todo o lado. Neles consigo encontrar o caminho para o cerne do todo. Compreender quem sou. Tudo na minha vida é feito de pormenores. Cada um pode mudar um momento, criar uma situação, fazer nascer um sentir. Pode moldar uma expressão, gerir um comportamento, modificar uma vida. Acredito que tudo o em nosso redor é composto de pormenores. Uns são mais relevantes que outros, mas todos têm a sua importância. Nenhum deve ser desdenhado, nem posto de parte. Nos locais por onde passo, nas expressões onde o meu olhar pousa, nos objectos que toco e nas palavras que expresso, encontro a fragrância dos mais ínfimos pormenores. Nesses momentos, com a emoção sempre presente, sinto-me vivo Sempre defendi a emoção em detrimento da razão. Toda a emoção é fundamentada no delicado perfume do pormenor, que mergulhado no inconsciente nos permite intuir. A emoção é o sangue que nos corre nas veias, o pulsar de cada sensação, a magia daquilo que realmente somos. É a emoção que nos torna únicos e nos ajuda a perceber as diferenças. Nunca respeitei a razão. Acho-a sem personalidade, desprovida de carácter. Não tem toque nem cheiro, é bacoca e pouco imaginativa. A razão não tem pormenores, é compacta e estanque como um paralelepípedo. Dura e contínua, começa onde acaba, isenta de princípio ou fim. Não a sinto humana, pois a sua lógica retira-lhe toda a espontaneidade. A sua lógica é fundamentada no vazio, instiga o nada. Com a razão nascemos e morremos iguais. Não somos, parecemos apenas ser. E aqui voltamos ao pormenor, personagem subtil, que alimenta a intuição, e, leva-nos ao âmago da emoção. Afinal qual é a razão deste texto? Nenhuma! É pura emoção. Aqui não há lógica. É o sentir na sua mais pura forma, sem receio de qualquer ordem. E, por isso, a sua leitura só pode ser compreendida por quem percebe e intui o pormenor.

Sintonia

Há caminhos que vêm de longe. Sim, os caminhos não se deixam percorrer apenas, também eles fazem o seu próprio trajecto. Há uma sintonia impossível de negar entre o caminho e o caminhante. Existe uma troca constante de acção entre ambos, uma dinâmica única que permite manter o equilíbrio necessário. Há caminhos que já me percorreram. Chegaram a mim de uma forma curiosa, sem que eu me apercebesse. Tomaram-me por igual, percorreram-me mesmo sem eu deixar. Fizeram de mim destino. Traçado trilhado pelo próprio caminho. Aprendizagem e conclusão. Caminho. Caminhante. Significados perdidos na definição da sua essência...

Brisas

Um momento fugaz e no entanto profundo, um tímido gesto de cariz grandioso, uma mágica palavra perdida no meio de uma frase, um doce olhar de soslaio, um toque suave e quase imperceptível, um silencio sussurrado que esquecemos ter vivido, mas que ecoa no subconsciente, um cheiro que, incompreensivelmente, teima em não partir. Somos momentos aleatórios de verdades envergonhadas. Momentos de vida e de morte.

Mãe

Encontro-a em mim. Leio-a de cor. Percebo-a. Sinto-lhe o pulso com a mesma naturalidade com que respiro. Das suas entranhas fiz-me homem, entre sorrisos e lágrimas, alegrias e castigos. Conheço-a como poucos sonham. É minha na nossa fragilidade e na grandeza ultrapassa a banal e corriqueira lógica. Tem uma forma única de discernir o justo do injusto, muito para além do trivial. A minha mortalidade está directamente ligada à sua existência. A invisibilidade do cordão umbilical é apenas uma incapacidade dos outros, pois ele vive presente em todos os momentos da nossa existência. Para mim está lá tudo. Na palavra mais vulgar ao conselho mais sábio, no sorriso que nasce apenas para o meu olhar ao que se perde na multidão, do gesto rotineiro ao grito de invulgaridade, da expressão já muita vezes repetida à que apenas pouco podem intuir. Vislumbro muito para além do que parece ser. Compreendo-a sem que a palavra ajude, leio-lhe o sentir, somos fruto da mesma árvore. No seu abraço encontro a nossa dor e a força que me faz correr. No seu beijo renasce toda a minha alma e rasgo os lábios num sorrir imenso. Há palavras que ainda não nasceram e só nelas poderei definir o sentimento que lhe tenho. É minha mãe! E quando um de nós partir, no outro ficará toda a essência que é só nossa, a imagem límpida de um amor sem som, o conceito único de apenas o silêncio pode abarcar. Acima dela apenas o sonho de um dia voltar a sê-la. Com inicio e sem fim!

Acontecer

Eu e a palavra morta,
Deitados lado a lado.
O luar servia de tecto.
O silêncio esperava,
De sorriso circunspecto.
Lá fora,
A vida continuava
Rotineira e chata.
Quando o tempo está parado,
Tudo pode acontecer,
Até que a palavra volte a nascer.

Lugares

Todos os lugares são diferentes de cada vez que por lá passamos. Lugares de procura. Lugares de passagem. Lugares de referência. Lugares que nasceram apenas para serem, apenas e somente lugares. Espaços sem marcas, sem som ou cor. Espaços que crescem em nosso redor. Espaços sem dono à procura de alguém. Espaços sem tempo, sentir ou vontade. Espaços, apenas espaços, que sem deixam para trás. Entre um espaço e um lugar divide-os um rio. Um sem fim de água nascida das lágrimas de quem passa. Vivo nos espaços por entre os lugares que me habitam, dentro de mim, no imaginário que ainda não criei.

Sou

Sou,
Apenas sou.
É um custo sem limites,
Um caminho doloroso.
Sou.
Carregado de vontade,
Entre palavras
E actos vazios de receio.
Sou,
Nasci para ser
E, tenho profundo orgulho
No sentir da minha dor!

Arco- Íris

Nas madrugadas do meu acordar, encontro sempre cheiros que não estão presentes em mais momento algum da minha vida. A forma como eu e o dia despertamos, descobrindo aos poucos íntimos pormenores em cada um, oferece-me aromas que transbordam de originalidade, recriando o dia que vou ter em sublimes sentires. O meu olfacto absorve-os com toda a vontade que me corre nas veias de caminhos sinuosos, mas carregados do Peter Pan que eternamente viverá em mim. As fragrâncias são o carrossel da minha vida, onde cada cheiro é um cavalinho que procuro montar, despindo o preconceito de ter um favorito, os seus trotes são únicos e indispensáveis. Sou feito de uma mescla diária de mortes e nascimentos, em todos esses momentos há um odor presente que me marca fundo, libertando vontades e valores que vou largando pelo caminho como pequenos pedaços de pão. Apesar de conhecer o percurso de regresso, posso nunca querer mais regressar, e, assim deixei as marcas para quem não saiba e queira. Os perfumes misturam-se com o meu sangue, suam os poros quando me afadigo e liberto o que sou. Aromas vários, giram constantemente em meu redor, oxigenam-me a alma curando marcas que as vicissitudes carimbaram. Não tenho nenhuma essência preferida. Cada uma tem o seu espaço, cada uma tem seu momento. Quando partir, deixo um arco-íris de fragrâncias, cheiros e odores… no que pensei, fiz, escrevi e fui.

Para Lá

Quantas não são as palavras
Que se perdem do seu significado,
Ecoando apenas no som da sua fonética?
Quantas não são as vontades
Que se quedam somente pelo intuito,
Vazias de qualquer forma ou movimento?
Quantos não são os desejos
Que aprisionados nos grilhões da fantasia,
Se arrastam no incontrolável medo do falhanço?
Quantos não são os olhares
Que morreram sem terem chegado,
Soluçando água salgada de uma morte na praia?
Quantos não são os lugares
Que por entre os vários sentidos,
Nunca foram recordados quanto mais esquecidos?

Não, Não respondas,
Chora apenas comigo!

Ressaca

Era cedo,
A noite ainda se contorcia.

No canto mais escuro da memória,
As recordações preguiçavam,
Talvez de cansaço, talvez de medo.

O tempo deixara marcas,
Ainda rosadas de tão recentes,
E o frenesim dos momentos,
Há pouco vividos e revividos,
Ressoavam pelas paredes.

A silhueta da queda faz sombra,
Envolve o espaço no seu todo,
Mergulha-nos no receio futuro,
De replicas mais intensas.

O sono desmembra e digere toda a acção passada,
Como um par de mãos que amassam e magoam…

NADA

Quando acordo
Do sono que provoco,
Percebo como nada sou.

A angústia toma-me a existência,
Afaga-a numa doce dor que entorpece.
Embala-me na dura verdade,
Que, inutilmente, procuro esconder,
Com devaneios de loucura,
Salpicada de pequenas ironias.

São momentos de profundo auto ódio,
Por tudo o que erroneamente revelo parecer

Choro no meu imaginário de solidão sofrido
Para não me afogar nas lágrimas reais
De acre e doloroso aroma regadas.

Nasci de uma terra queimada,
Infértil de razão. Pura de selvagem sentir.
Incapaz de concretizar pela lógica,
Perdida para lá da tristeza do meu olhar cego.
Eu não consigo viver em mim!

Perdoem-me a emoção desbravada,
Eu perdoo-vos a caducidade da vossa razão!

Tempo

O tempo perde-se em si mesmo, tropeça nas águas de um choro sem fim, corre em alvoroço em direcção a coisa nenhuma e sem sentido deixa de o ter também. É Setembro mas podia ser Março ou Maio. Dia e noite apenas têm a diferenciá-los a luminosidade que o sol oferece e a candura que lua emana. O vento enlouquecido deixou de falar à chuva que na depressão de um suposto abandono se encontra enclausurada nas nuvens que não têm horas, nem minutos, nem razões para serem mais do que sentem ser. Nada. São quase 18 horas mas se fossem 12 ou mesmo 9 pouca diferença faria. Mais luz, menos luz, tudo se resume a isso. O tempo somos nós que o fazemos e o segredo está em saber negociá-lo com o destino. Cartas na mesa, verdades escondidas. Olhares neutros e sem vontade. Palavra puxa palavra, nunca subindo de tom. Calma e serenidade são necessárias para levar de vencida o destino, numa negociação de vida em que a mestria está na vontade de ser mais, fazer mais e nunca desistir. Só no fim saberemos se realmente conseguimos o que pretendíamos. Felizmente, só no fim, e, mesmo aí devemos acreditar que ainda temos tempo. Porque temos! Já vivi minutos que nunca trocaria por anos, e anos que trocava por uma simples maçã.

Momentos

Hoje foi um daqueles dias. Tristes e magoados. Carregados de momentos nublados onde se forma uma dor indescritível. Os monstros do costume soltaram-se num alarde ensurdecedor, os seus corpos investiam contra a jaula da minha demência. O sofrimento da verdade sentia-se amordaçado dentro de mim e o seu espernear pontapeava-me de dentro para fora levando as minhas têmporas a um insuportável latejar. Mergulhado no meu desespero, consequência directa do vomito em que tornei a minha vida, sentia-me muito para lá de nada. Pena de mim? Não me parece. Apenas uma tristeza imensa por ser incapaz de controlar a exacerbante sensibilidade que me assombra desde sempre e me torna frágil e patético. Impotente na arte da vida só me resta continuar a acariciar as mazelas que a minha incapacidade for provocando. Afinal, não há caminho sem caminhante.

Não


- Não? E por que não?
- Não sei. Apenas sei que não!
- É só isso que tens para dizer?
- Que mais queres que diga?
Eram assim as palavras estéreis e desprovidas de qualquer
interesse ou motivação que davam vida às discussões que
se repetiam num incessante e infindável carrossel. Eram áridas
e desconectas. Ausentes de lógica. O tempo toldava-
-lhes a razão, prendia-lhes o raciocínio e uma emoção sem
sentido tomava as rédeas, transformando-se em definitivo
na protagonista.
Houve um passado, ainda recente, em que tudo era diferente.
As expressões tinham melodia e os pormenores irritantes
da rotina eram relegados para um mundo de profunda
indiferença.
Nada mudara de forma suficientemente óbvia. Nem nos
mais pequenos detalhes se denotavam alterações dignas
de qualquer significado. No entanto, a empatia morrera,
não havia cumplicidade, e, em momentos limite, o simples
som da voz dele causava-lhe náuseas. Havia uma revolta
dentro dela tão estranha quanto incompreensível. Talvez
tenha sonhado um homem único, perfeito, irreal, impossível
de existir. Porventura criara a ilusão de uma falsa personalidade.
Ela apenas servira os seus propósitos.
Nunca o saberemos. Nunca saberemos se algum deles
soube. A relação durou mais vinte anos. Sempre monótona
e ausente de qualquer interesse arrastou-se até ao limiar da
resistência humana.
Perderam-se numa noite de Inverno por entre a frieza de
uma ausência há muito anunciada. Peitos sem vontade
nem batida. Dedos entrelaçados por um sentir longínquo
que andou disfarçado (quase) uma vida inteira.